quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Incontestável .

Passou pela porta e sentou-se no sofá sem tirar os sapatos. Tão logo sentou-se e a gata deitou-se em seu colo, ronronando. Acariciava-a, fitando a porta.
Ele entrou com casualidade, já esperava que a porta estivesse destrancada - ela sempre estava - mas assombrou-se um pouco ao ver que havia mais alguém na casa. Há meses mandaram-no para lá, mas ele nem sequer conhecia os donos do imóvel. Tirou os sapatos, deixando-os na entrada, como de costume e perguntou-a se desejava beber alguma coisa.

- Não, obrigada. - respondeu-o com a voz levemente rouca, quase num sussurro.

Ele já ouvira aquela voz antes, mas não fazia ideia alguma de onde conhecia aquela mulher, tampouco reconheceu seu rosto.
Passou por trás dela e sentou-se calmo, numa poltrona à sua frente, perguntando-se quem seria aquela mulher com faiscantes olhos cor-de-mel.
O seu cabelo era castanho, num tom quase-preto, e se exibia num corte masculino, que deixava à mostra sua nuca coberta por uma leve penugem. Tinha uma espiral infinita tatuada na perna esquerda, que descia fazendo majestosos círculos, sob o vestido preto, e desaparecia, entrando na bota militar surrada.

- Como vai você ? - ronronou, procurando o maço de cigarros na bolsa, e oferecendo um à ele.
- Desculpe, mas não me lembro de você. - cricrilou ele, a voz soando mais confusa do que o esperado.
- Não nos conhecemos. - ela rebateu, entre um trago e outro.

Ela tinha o olhar intenso, e a boca num tom de rubi, confundindo-se entre a fumaça cinzenta. Os dedos finos levando o cigarro à boca mais por hábito que por vontade.
Ele estava confuso quanto a quem seria aquela mulher, mas não ousou interrogá-la sobre sua identidade. Apenas observava-a impregnar seu cheiro de almíscar nos móveis da casa.

- Gostaria que me mostrasse os quartos. - disse, com a mesma voz rouca e quase inaudível.

Sem palavras, ele levantou-se e dirigiu-se à escada, ela seguindo-o, logo depois. Passaram por um corredor imponente, ele abrindo as portas à medida que avançavam. Ela observava todos de fora. Quarto de hóspedes, três suites. Ao final do corredor, a suite principal.
Nesse, não bastou à ela olhar de fora. Entrou e observou os móveis com calma. Sentou-se na cama e tirou as botas masculinas, deixando à vista mais círculos, que se estendiam até o tornozelo. Na ponta, um triângulo invertido.
Ele observava-a, perplexo, da porta. Não entendia o propósito dela, mas não se moveu.
Ela ergueu-se, os pés nus. -lo entrar e cerrou a porta. Olhou-o nos olhos com voracidade, como se algo houvesse tombado dentro dela. Beijou-o com seus lábios de rubi, deglutindo cada pedaço que sua boca alcançava.
Deitaram-se, já nus. Ele observava em êxtase o seu corpo sob o dela. Fascinou-se pelos seus mamilos pequenos e rosáceos. Permaneceram ambos calados durante todo o tempo, como se o coito fosse um rito incontestável.
Havia algo nela que ele não soube explicar, não a conhecia, mas reconhecia o cheiro que ela exalava. Tentava colocar as coisas no lugar dentro de sua cabeça, enquanto ela fumava mais um de seus cigarros - o terceiro. Cerrou os olhos.
Quando reabriu-os, haviam passados apenas poucos minutos, pensou. Estava errado. Passadas oito horas, o cheiro de tabaco ainda exalava.
Levantou-se, nu, procurou-a pela casa. Encontrou-a na cozinha, jogada ao chão. Estava morta. Morta como todos que passaram por ali. Levou-a, despreocupado, até o celeiro e voltou. Era necessário fazer a cama.
Mais tarde, já vestido, tornou ao celeiro para coloca-la num grande freezer horizontal, que escondia-se debaixo do feno.
Entrou em casa, pegou uma caneca de café e sentou-se no sofá onde antes ela esteve, sem perceber um cheiro misto de almíscar e tabaco que pairava em todo o ar. Ligou a TV para assistir o jornal, com a gata ronronando em seu colo.
Mais uma vez, perdera a batalha contra si mesmo.