domingo, 14 de novembro de 2010

Quando acordou naquela manhã, seus olhos emanavam o que emanam os olhos de uma pessoa sem futuro. Ele sabia que não haveria mais muito o que fazer por ali.
Levantou, pegou uma cerveja quente no chão, caminhou até o armário vazio da cozinha. A camisa, o colchão e os dedos queimados de tantas noites dormidas com o cigarro ainda aceso e a mente vagando no álcool. Se lembrou de quando ainda havia comida e riu de si mesmo.
A manhã estava fria, mas não o tipo de frio que se resolve com um casaco ou alguns cobertores. Sentou na beirada da cama com aquele pensamento que os bêbados conformados têm: não adianta tentar parar, não importa o quão ruim as coisas estejam.
São as cervejas e os dedos queimados e os ratos andando no forro do apartamento de setenta reais por mês no subúrbio que fazem as coisas conseguirem continuar de pé. Não é como se desse pra continuar se não fosse assim.
O mais incrível do frio era que não estava nublado. Era como se só estivesse fazendo frio ALI. A pessoas -poucas àquela hora- ainda vestiam roupas que não expressavam a temperatura, como se ele estivesse sentindo-a por todas elas.
Acendeu mais um cigarro segurando-o com aqueles dedos que de tão queimados já não mais sentiam as brasas. Riu do mundo, coçou as costas e saiu da casa. Mesmo para um bêbado, as vezes há muito o que se fazer.
Descer as escadas, chegar à calçada, desviar das pessoas que invariavelmente ostentavam aquele olhar de medo e repreensão que as pessoas têm quando vêem mendigos ou animaizinhos atropelados.
Achava graça.
Virou a esquina e caminhou em direção ao único lugar que chegava perto da familiaridade que tinha com o apartamento.