quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Indiferença .

Então ele resolveu que tinha que falar sobre aquilo com alguém.
Ele tinha noção de que não podia ser qualquer pessoa, de modo que se ele acabasse contando-o à alguém que não o entendesse, ele haveria que recomeçar.
Pegou sua 8ª xícara de café desde chegara em casa, e caminhou até a janela.
Fazia frio lá fora, uma leve geada cobria os carros.
Eram três da manhã.
Ele varreu toda a memória, em busca de alguém que o ajudasse, até que lembrou dela. Kate. Kate certamente o entenderia. Ela sabia como ele se sentia, ela era como ele.
Deixou a xícara intocada no umbral da janela, pegou seu casaco e foi.
Ele sabia exatamente onde encontrá-la agora. Ela sempre estava no mesmo lugar à essa hora.
Teve que dirigir devagar, a geada tornou as ruas escorregadias. Demorou 50 minutos até chegar à casa da praia.
Kate estava exatamente no mesmo lugar. Exatamente como da primeira vez que ele a vira. Ele a conheceu ali, na escada da varanda.
Ela levantou a cabeça em direção à ele e seus olhos sorriram. Ele já esperava que a face não expressasse nada, Kate tornara-se uma pessoa fechada, e preferia não ter expressão nenhuma. Mas o olhar dela dizia que ela ainda se lembrava que os dois se entendiam melhor que quaisquer outras pessoas.
Ele sentou-se e ofereceu um cigarro à ela.
- Agora não, cowboy.
Kate chamava-o de cowboy quando queria dizer que ele ficou muito tempos em aparecer. E de fato, faziam 4 anos que não se viam.
Ele olhou-a e sorriu. Um sorriso preocupado, decadente. Sem mostrar dentes ou piedade.
- Kate, eu a matei. Eu a coloquei na geladeira. - ele disse.
Ela fitava o mar.
- Na verdade, só as mãos e a cabeça dela estão guardados na geladeira. O resto eu dei para os cães.
- Alguém mais sabe disto ?
Ele a olhou de novo. Ela continuava a mesma.
É lógico que não. É lógico que ele não contaria aquilo a ninguém à não ser ela. Kate era a única que entenderia.
- E então, cowboy, quer tomar um café ?
Entraram. Era uma velha casa, móveis antigos. Ele gostava dali.
Ela trouxe duas canecas de café forte e um pacote de batatas chips. Ela ainda se lembrava das batatas chips.
- Kate, eu preciso de ajuda. Ninguém pode notar a falta dela.
- Comprei um filme novo. - ela jogou um dvd em cima dele - Você já viu esse aí ?
Eles passaram a noite fumando. Na TV, rodava o filme "Bonequinha de Luxo", versão original, em preto-e-branco.
No dia seguinte, decidiram viajar. Foram pra Viena. Kate gostava de lá.