quinta-feira, 30 de junho de 2016

As chaves não entravam na fechadura, então eu resolvi me sentar na escadaria da frente e esperar lendo o livro que fui entregar. As páginas eram ásperas e amareladas, a capa estava amassada, algumas das folhas marcadas ou rasgadas. Ela realmente ia detestar ver aquilo. Até eu fiquei com pena daquele livro. De resto, era um desses comuns, de bolso, que praticamente todo escritor carrega consigo. Autor bastante conhecido, mas a escrita era fraca, ao menos naquele livro. Na verdade eu nem sei como era possível alguém te-lo lido tanto para que ele chegasse àquele ponto. O dia estava quente demais, a escadaria ficava sob o sol e eu estava cansado demais para tentar atravessar a rua. Decidi ficar só mais alguns minutos, ela não precisaria tanto assim daquele livro, afinal.
Ela chegou de repente, correndo, ofegando, subiu as escadas, abriu a porta e me chamou para tomar um café sem me dar tempo de pensar. Me assustei com tanta energia. No fim, ela era o oposto de mim, sempre sorridente, corada, cumprimentando todos à sua volta, enquanto eu permanecia olhando os sapatos, a calçada, pensando no calor desagradável de Novembro. O café forte, com muito açúcar, e a temperatura mais amena dentro da casa me deixou mais confortável. Mas eu continuei olhando meus sapatos enquanto ouvia o bater de saltos dela no piso de madeira e a sua voz falando de como o seu dia tinha sido, se desculpando por se atrasar, me perguntando se tinha esperado muito, agradecendo por ter vindo só trazer o livro, que ela precisava muito. Parou, e me fez olhar seus olhos.
- Tá tudo bem por aí?
Sorri. Sentou do meu lado e pediu o livro. Ficou algum tempo olhando para ele, como que se lamentando pelo seu estado. Foi quando eu pensei que talvez já estivesse assim antes, que fosse ela quem o havia lido tantas vezes. Não. Ela não gostava de poesia. Continuei sem entender a importância do livro, mas meu trabalho já havia sido feito. Continuamos sentados, ela falando sobre amenidades, eu examinando a estrutura da sola dos meus sapatos, ela fazendo mais café e eu ponderando sobre passar numa sapataria na volta para casa.
- Acho melhor você ir agora, né? Valeu mesmo por trazer o livro pra mim. - Ela sorriu.
Saí da casa, desci as escadarias, o sol estava pior, a calçada queimava meus pés através sola dos sapatos, decidi passar na sapataria. Quando cheguei em casa com os sapatos novos percebi que a última página do livro ficou no bolso do casaco.
Depois de ler, entendi.